Agosto de 1977.
Vou visitar Jânio Quadros em sua casa no Guarujá e levo comigo Carlos Heitor Cony, que queria conhecer pessoalmente o ex-presidente. Estabeleceu-se entre os dois imediata empatia.
Ambos, como se sabe, são esplêndidos causeurs. Naquela tarde, estavam excepcionalmente inspirados.
Num determinado momento, Cony passou a expor uma erudita exegese sobre a evolução do que ele chamava de sua “crise espiritual” – que teve início quando ele era aluno aplicado do Seminário São José, no Rio, e só findou quando o jovem crente e temente de ontem se transformou no irremediável agnóstico de hoje.
Foi um longo desfilar de sabedoria sacra e profana e um extenso perfil dos mais notáveis doutores da Igreja – de São Pedro a Leon Bloy e Maritain, passando por São Gregório, São Tomás de Aquino, Santo Agostinho – e mais Leão XIII, Pio IX e João XXIII.
Atento, como que sorvendo as palavras de Cony com o mesmo enlevo com que bebia o seu uísque, Jânio escutava sem apartear as eruditas considerações de Cony.
Ao final, disse :
– É a primeira vez que converso com um teólogo tão douto e tão ateu!
Excerto do livro Diário do último dinossauro, de Joel Silveira.